Justiça do trabalho no alvo do governo Temer

Iniciativas no Congresso Nacional, no Judiciário e no interior do governo atacam autonomia da Justiça do Trabalho, enfraquecem sua estrutura e ameaçam extinguir órgão que nasceu para defender os interesses do trabalhador.

 

Seriam três fatos que, isolados, poderiam parecer irresponsáveis. Juntos, porém, evidenciam a ameaça que se tornou Michel Temer para os trabalhadores. Numa mesma semana:

– chegou à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado o projeto que impede a promoção de Juízes do Trabalho que divergirem da jurisprudência do STF (PLS 27/2017);

– o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho para barrar a divulgação da lista suja do trabalho escravo no Brasil, depois de perder de novo na segunda instância;

– o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que “a Justiça do Trabalho não deveria nem existir”, enquanto anunciava a aceleração do projeto que permite a terceirização irrestrita.

Cada um dos itens acima apresenta um risco social elevado, e o cenário que desenham em conjunto é ainda pior: trata-se de um governo que uniu os poderes Legislativo e Executivo para neutralizar o Judiciário. O projeto de demolição levado adiante por projetos como a PEC do Fim do Mundo ou a Reforma da Previdência reveste-se de um elemento sinistro, que tenta inviabilizar até a possibilidade de reação por vias legais.

Não há alma honesta que possa concordar com uma coisa dessas. A Justiça do Trabalho é um dos pilares centrais da identidade brasileira, e se presta a uma missão muitas vezes ignorada pelos outros Poderes: o de defender aquela parcela da população que não pode exigir seus direitos pelas vias do confronto político ou da barganha comercial. Num país com uma desigualdade galopante como o Brasil, em que o trabalhador sempre foi considerado um obstáculo à acumulação patrimonial, a Justiça do Trabalho tornou-se um motor civilizatório.

Sob essa perspectiva, um projeto como o PLS 27 faz perfeito sentido. A padronização das decisões dos juízes do trabalho abrirá espaço para ampla interferência política nos tribunais, neutralizando lá de cima os magistrados que exercerem sua liberdade de consciência. Assim como a política tende a estar cada vez mais dominada pelo dinheiro, também estarão os tribunais, à medida em que somente os profissionais mais submissos avançarem na hierarquia.

A mão nada-invisível do mercado fica evidente diante da aplicação exclusiva dessa lei sobre a Justiça do Trabalho. Mas não só aí. A insistência do ministro Nogueira em esconder a lista do trabalho escravo é outro caso desses: em que situação seria justificável para um ministro do trabalho, o maior representante da área, insistir no acobertamento de crimes trabalhistas?

A cumplicidade parece óbvia, dada a ligação estreita de Nogueira com o agronegócio. Esconde-se a lista dos escravagistas para que seja mais fácil lidar com as consequências de sua existência, como o impedimento de empréstimos no BNDES ou sanções comerciais em certos países. No caso das marcas mais conhecidas, como a Zara, há ainda o anulamento da publicidade negativa ao aparecer num documento desses.

Essa triangulação entre governo e empresas aparece de forma mais escancarada na fala de Rodrigo Maia, que nem mesmo reconhece a Justiça do Trabalho. Não há nada de novo aí: desde o golpe, os juízes do trabalho já foram alvos de agressões piores, como a cachota soviética de Gilmar Mendes ou a tentativa de estrangulamento financeiro imposta pelo deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), relator do Orçamento Geral da União em 2016.

A repetição desses episódios revela uma animosidade cada vez maior. Eles são o prenúncio de uma guerra institucional por vir, que terá na Justiça do Trabalho a única arma para enfrentar o desmonte das proteções legais dos empregados. Não é à toa que o empresariado quer castrar a Justiça do Trabalho. Não é à toa que Temer defende a prevalência de termos negociados sobre a CLT.

Se a Reforma Trabalhista e a nova Lei da Terceirização forem aprovadas como estão, os trabalhadores serão gradualmente transformados em “precariado” – isto é, viverão abaixo da linha da pobreza mesmo trabalhando em jornada integral. É muito provável que esses novos escravos aumentem a quantidade de processos, dado que haverá mais espaço para abuso por parte dos patrões.

A Casa Grande sabe que a Justiça do Trabalho será nosso último espaço de resistência – melhor desarmá-la antes de a guerra começar.

Fonte: CTB, por Renato Bazan